quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Reinaldo Azevedo fala sobre Diogo Mainardi

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/
19/08/2010
às 17:39

Resolveram meter um triângulo roxo em Diogo Mainardi
Sempre imaginei que chagaríamos a este ponto. E chegamos. Ou melhor: chegaram! E podem ir ainda mais longe — porque os caminhos da vigarice e da impostura não têm limites. Como é que os canalhas aprimoram a sua arte? Dedicando-se a praticar mais canalhices. Quando é que essa gente diz para si mesma: “Não, isso eu não posso fazer”? Nunca! Porque é próprio de sua índole fazer qualquer coisa. Pelo dobro do preço, então, podem fazer o triplo.
Vocês se lembram daquele blogueiro pançudo — os pançudos que servem de escribas dos donos do poder — que conclamou a “catchiguria” a procurar onde estavam os 3% que consideravam o governo Lula “ruim/péssimo”? Seu raciossímio era o seguinte: são tão poucos, que é possível identificá-los. De lá para cá, parece que a coisa ficou ainda mais fácil. Agora, esse grupo soma apenas 1% segundo os institutos de pesquisa.
O Pançudo deve estar radiante! Já dá para cuidar de todos numa única fornada democrática! As cinzas ajudariam a fertilizar a terra onde surgiria o Primeiro Reich Petralha — para durar, no mínimo, mil anos!!! Nome do filme: “De Volta ao Planeta dos Macacos”.

Apontei o aspecto obviamente fascistóide daquela formulação, como se haver pessoas que rejeitem o governo — e governos — fosse uma excentricidade digna de nota. Numa democracia, elas são o sal da terra. É a existência da divergência que testa o modelo, já que qualquer pessoa é livre para concordar com o governo também nas ditaduras. Mas o que digo eu? Quem disse que eles querem democracia? Eles querem é regime de maioria, que é outra coisa — os fascismos todos, incluindo o nazismo, foram regimes de maioria. É o que querem. É do que gostam. Quando escrevi a respeito, afirmei que se estava plasmando uma cultura no país que sataniza a “turma do contra”. Como disse aquela reitora da Uni-Rio, ser do contra, tudo bem “desde que não atrapalhe”.  Ah, bom! Agora ao ponto do dia.

EstupefatoConfesso que não leio a Ilustrada, da Folha. Limito-me ao primeiro caderno por dever de ofício. Um leitor me chamou atenção para um troço, e era mesmo verdade. Está lá no caderno acusado de Cultura: “Desafetos acusam Mainardi de escapar de processos no Brasil”. É o título. Na linha fina, o subtítulo, como se estivesse na defensiva, fala Diogo: “Colunista diz que decidiu ir morar na Itália por questão familiar”.
Chegamos ao fundo do poço. Dois blogueiros notórios pelo tipo de trabalho que fazem falam na reportagem. Como o título deixa claro, são “desafetos”. Trata-se de uma bobagem fabulosa! Diogo enfrentou, sim, muitos processos, com duas condenações, nenhuma em caráter definitivo — é provável que em pior situação estejam os que o acusam. Mas vá lá.

O que me pergunto é outra coisa: “QUE DIABO DE IMPORTÂNCIA TEM ISSO?” Diogo é um dos colunistas mais lidos do país; seus romances foram saudados por críticos respeitáveis — quase nenhum do jornalismo porque duvido que tenham entendido direito o que ele escreveu, mas isso é outro papo. Está na TV. É uma pessoa conhecida etc. Se a imprensa quer saber por que ele decidiu voltar para Veneza, onde morou durante 14 anos — desde que voltou ao Brasil, seu apartamento ficou lá, à sua espera —, que procure saber, claro, mas não segundo a fofoca estúpida de seus “desafetos”.
Como informa, aliás, o próprio texto, “o ex-ministro Luiz Gushiken, o advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o empresário Carlos Jereissati, do grupo La Fonte, estão entre os que processaram Mainardi no passado e nunca conseguiram nada.” É isso! Houve um tempo, no Brasil, em que fazer crítica política era parte do jogo democrático.

E, lamento, não me venham com a história de que o texto está “equilibrado”, com Diogo tendo a chance de se defender. Mas se defender de quê? Um escritor e jornalista não pode decidir morar em outro país, sabe-se lá por quanto tempo — isso é da conta de quem? — sem que se dê voz a seus “desafetos”? A Folha tem muitos jornalistas que respondem ou responderam a processos. Há condenados entre eles. Devemos convocar seus “desafetos” para que emitam uma opinião a respeito do que fazem ou deixam de fazer? Qual é a pauta?

Lamento: a reportagem, por mais “equilibrada” que pretenda ser  (apesar do título dado aos “desafetos”), é fruto do clima persecutório que está começando a contaminar tudo. Pior: já começa a ser considerado uma coisa normal, como afirmar que hoje é quinta-feira. “Ah, você viu? Diogo mudou de país para fugir dos processos, dizem seus desafetos”.
Não vou eu avançar além do que o próprio Diogo deve ter dito à reportagem. Os motivos que o trouxeram ao Brasil depois de tantos anos e que o fizeram voltar a Veneza estarão explicitados num livro que está escrevendo, ao qual tem dedicado boa parte de seu tempo, obsessivo que é com a precisão das palavras. E nem remotamente estão ligados a essa conversa de processos ou sei lá o quê. A história de que poderia ser preso é mais uma dessas mentiras que alimentam o delírio de vigaristas. Ele não! Mas é bem possível que um outro “desafeto” seu ainda acabe atrás das grades por crime inafiançável e imprescritível. A decisão, no entanto, cabe à Justiça —  e não tomarei o seu lugar, como “eles” fazem.

Triângulo roxo
O Pançudo deve estar feliz. Em breve, os que alegarem objeções de consciência para declarar a sua fé no Pai do Brasil — e na sua Mãe — terão de usar um triângulo roxo no uniforme, a exemplo do que acontecia com os que ousavam, no nazismo, proclamar a sua fé em Deus e não no “führer“. Se são tão “poucos”, pensaria o asqueroso, por que não? “Ao menos saberemos quem ele são”. Resolveram meter um triângulo roxo em Diogo Mainardi — embora Dilma faça questão de manter “Lula é Minha Anta” em sua estante de campanha para mostrar que é inteligente.
Por Reinaldo Azevedo